Influência simbolista

Maura de Senna Pereira buscou inspiração de sua poesia no também catarinense Cruz e Sousa

Rodrigo Brasil - Especial para o Anexo


Quando lançou "Cântaro de Ternura", Maura de Senna Pereira já tinha travado conhecimento com as transformações em curso na poesia nacional. Como jornalista, divulgava os rebentos da Semana de 22 no suplemento "Domingo Literário", encartado semanalmente no jornal "República", de Florianópolis. Ali publicou por mais de dois anos poesias de autores como Henriqueta Lisboa, Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Cassiano Ricardo, e muitos outros. O livro traz influência do simbolismo de Cruz e Souza - uma das maiores referências da poeta -, do modernismo, e mesmo da Bíblia, especialmente do "Cântico dos Cânticos".

Entre suas influências, costumava citar Jorge de Lima, Frederico Garcia Lorca, Ezra Pound. Para Lauro Junkes, "o livro se alinha mais com o simbolismo do que com qualquer outra escola. Cruz e Sousa também tinha prosa poética naquela linha". No entanto, embora possa ser vista como precursora do modernismo em Santa Catarina, não criou escola aqui. "O movimento só foi plenamente implantado em Santa Catarina com o Grupo Sul, no final dos anos 40, após duras lutas", diz Junkes.

A poesia de Maura, entretanto, passou ao largo dos "desequilíbrios, estardalhaços e abusos" modernistas, e como definiam seus pares, e embora se mostre competente e bem cuidada, especialmente por seu virtuosismo rítmico, carece de ousadia para explorar novas possibilidades formais. "De fato, ela era subversiva nas idéias, mas esta postura não transparece em seus textos", diz Junkes. A recepção que o livro recebeu à época mostra como seus contemporâneos não estavam preparados para a renovação trazida por seus versos. Em geral, os jornais falam sobre 'tocar a sensibilidade', 'gotas de ternura', termos mais adequados ao parnasianismo reinante.

A exceção fica para a crítica do "Correio da Manhã", que classificou seus poemas como sendo de um intenso sabor moderno, e de Dante de Laytano, da Academia da Academia de Letras (ACL) do Rio Grande do Sul: "Encarnando o sentido moderno da arte, libertando-se os preciosismos enfadonhos da métrica, criando o ritmo independente e arrojado dos novos, ela se coloca na vanguarda, traduzindo toda a expressão dum instante literário".

Maura foi uma revolucionária também por suas idéias político-sociais avançadas e seu feminismo arrojado em plena década de 20, quando o sexo feminino ainda tinha um papel subalterno na sociedade. Na época que começou a lecionar, ainda na adolescência, havia uma restrição legal às mulheres professoras de se casarem. Logo a escritora colocou-se à frente de movimento para pôr fim à lei que "negava o amor e a maternidade às professoras".Foi o começo de uma luta pelos direitos da mulher, pela democracia, pelas minorias, pelos oprimidos, em favor do divórcio, da liberdade de imprensa, de uma nova moral. Anos antes, em 1925, aos 21 anos, já havia publicado o primeiro artigo feminista da história de Florianópolis. Nele, pedia que as mulheres burguesas, muito confinadas em casa, se eduquem e ocupem novos espaços na sociedade. Em outra ocasião, saiu em defesa de uma mulher presa por roubo, escrevendo uma carta aberta ao interventor local, pedindo sua libertação.

Segundo Junkes, que a conheceu pessoalmente, a poeta foi muito badalada na sociedade. "Sua família era simples, mas seu prestígio social era grande." Em 1933, mudou-se para Porto Alegre, a fim de viver com o marido, mas separou-se oito anos depois, o que causou muita indignação entre a população de Florianópolis. "A sociedade não permitiu que ela continuasse a viver por aqui. Foi-lhe negado o magistério, e também no jornalismo o campo se fechou", diz Junkes. Maura decidiu então mudar-se para o Rio de Janeiro, onde se viria a se unir ao poeta e humanista Almeida Cousin, seu companheiro pelo resto da vida. Com ele conheceu o amor e encontrou um pouco de paz, após ter sido "uma moça rebelde e uma menina sofredora", como se definiu.

Referia-se ao histórico de perdas familiares sucessivas que marcaram sua infância e adolescência, bem como toda sua obra. Seu irmão Carlos, "um rapaz belíssimo, másculo", morreu no mar. E a mãe morreu de pneumonia, assim como o irmão Roberto, e um tio. De família protestante, Maura lia a Bíblia diariamente quando criança, e chegou a tirar o primeiro lugar num concurso infantil de versículos de cor. Porém depois tornou-se agnóstica, e passou a defender idéias telúricas e panteístas. "Somente na ciência eu creio, sim,/ porém jamais esquecerei, ó Cristo,/ que teus luminosos braços abertos/ estiveram sempre abertos para mim", diz no poema "Do Amor".


Fonte: Jornal A Notícia - Anexo - http://www1.an.com.br/2003/jul/20/0ane.htm

Um comentário:

ROSA E OLIVIER disse...

"eres como la noche, callada y constelada."...!?...

Saluto mille!